05 de janeiro de 2022
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988 erigiu o Trânsito em condições seguras como Direito Fundamental de segunda dimensão, portanto, dever do Estado (obrigação positiva) e responsabilidade (dever-direito) de todos. Cabe anotar, que, trata-se de proteção à dignidade da pessoa humana, assegurando uma vida em condições dignas a serem asseguradas por órgãos e entidades de trânsito e executadas por meio do Agente de Trânsito de carreira.
A relevância dada, pelo texto constitucional, para a segurança viária trata de questão a ser trabalhada de forma indissociável da Segurança pública em todos os níveis federativos (União, Estados e Municípios). Tal destaque revela-se de maior importância, ainda mais se levarmos em conta que encerramos a Década Mundial de Ações para a Segurança no Trânsito, proposta pela Organização das Nações Unidas, e ratificada pelo Brasil, para o período de 2011 a 2020 (Resolução ONU nº A/64/255 (sobre “Melhoria da Segurança Viária no Mundo” – “Improving global road safety”).
A Constituição Federal de 1988 ao incluir a segurança viária dentro do sistema de segurança pública como subsistema de proteção para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas elevou o Agente de Trânsito a status constitucional para reforçar seu importante papel na garantia da segurança do trânsito e na mobilidade urbana de modo a proporcionar melhor qualidade de vida, por serem tais atores especialistas na execução de atividades de fiscalização, monitoramento, policiamento de trânsito, gerenciamento, intervenção e reorganização do tráfego de modo a garantir um trânsito mais fluído e seguro.
O artigo 144 da Constituição da República Federativa do Brasil passou a ser integrada com o § 10, in verbis:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
[…] § 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas:
I – compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e
II – compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei.”
Especificamente no inciso II, do § 10, do art. 144, da CF/1988 há expresso reconhecimento do AGENTE DE TRÂNSITO que deverá ser estruturado em carreira por meio de Lei específica, no âmbito de cada ente federativo, isto é: União, Estados e Municípios deverão regular a carreira de seus AGENTES DE TRÂNSITO estabelecendo o respectivo plano, a projeção de cargos, o piso remuneratório, suas atribuições dentre outras questões relevantes ao exercício de tais atividades. Essa regulamentação implica em reconhecimento da importância desse profissional no cumprimento efetivo de suas ações na condição de servidor público incumbido das atividades de segurança viária e mobilidade urbana.
Nesse contexto, uma das ações adotadas para garantir a segurança e a fluidez no trânsito é o policiamento e a fiscalização, definidos no Anexo I do CTB, aquele, “prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes”, esta, o “ato de controlar o cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa de trânsito, no âmbito de circunscrição dos órgãos e entidades executivos de trânsito e de acordo com as competências estabelecidas no Código”.
Isso se dá em razão de que a fiscalização, conjugada às ações de operação de trânsito, de engenharia de tráfego e de educação para o trânsito, é uma ferramenta de suma importância na busca de uma convivência pacífica entre pedestres e condutores de veículos. As atividades desenvolvidas pelos Agentes de Trânsito em tudo se assemelham às de outras categorias que realizam trabalhos de policiamento ostensivo. Sendo os Agentes de Trânsito integrantes do sistema de segurança pública atuam diretamente no enfrentamento a crimes de trânsito e na garantia da lei e da ordem, garantindo segurança e mobilidade viária.
As ações de fiscalização influenciam diretamente na segurança e fluidez do trânsito, contribuindo para a efetiva mudança de comportamento dos usuários da via, e de forma específica, do condutor infrator, através da imposição de sanções propiciando a eficácia da norma jurídica.
Nisso se faz necessário fazer uma distinção conceitual acerca da dicotomia: “AGENTE DE TRÂNSITO” e “AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO” eis que, este é gênero do qual aquele é espécie. Tais conceitos têm sido utilizados de modo equivocado, comprometendo o efetivo desempenho das atividades de segurança viária e mobilidade urbana, além de grave interferência nas atribuições dos Agentes de Trânsito prejudicando o desenvolvimento das ações integrantes do sistema de segurança pública.
Para tanto, imperioso analisarmos o que diz a Lei suprema do trânsito brasileiro, a Lei nº 9.503/1997 – CTB a qual estabelece expressamente em seu Anexo I alguns conceitos e definições de enorme relevância para compreensão da matéria, dentre os quais destacamos os seguintes:
Mencionada Lei ainda dispôs que: “PATRULHAMENTO VIÁRIO - função exercida pelos agentes de trânsito dos órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviário, no âmbito de suas competências, com o objetivo de garantir a segurança viária nos termos do § 10 do art. 144 da Constituição Federal.” (grifei).
Está claro no conceito trazido pela Lei que o legislador ao utilizar o termo AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO o fez para se referir a diversos cargos públicos que atuam diretamente no exercício das atividades de fiscalização, policiamento ostensivo de trânsito e patrulhamento viário em todas as esferas federativas, podendo ser: o Policial Rodoviário Federal, o Agente de Trânsito e o Policial Militar, este, mediante convênio.
Todavia, ao se referir à expressão AGENTE DE TRÂNSITO o fez para se referir a uma categoria específica dentre aquelas que compõem os agentes da autoridade de trânsito. Isso porque só pode ser Agente de Trânsito a pessoa civil que possua vínculo estatutário ou celetista (art. 280, § 4º, CTB) com a Administração Pública, disciplinado em carreira própria competente para lavrar auto de infração de trânsito no exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento e patrulhamento de viário.
Vejamos o que disciplina o Anexo I do CTB:
Por tais razões é clara a distinção acerca do que seja um AGENTE DE TRÂNSITO e um AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO, uma vez que aquele é espécie deste, o que é gênero. Isso se mostra inequívoco ao visualizar a ilustração a seguir. Vejamos:
Em uma busca rápida por alguns estatutos e leis que criam o cargo de Agente de Trânsito pelo país é possível verificar as seguintes atribuições comuns por eles exercidas no Brasil:
“Planejar, coordenar, controlar, avaliar e executar atividades referentes a ações de policiamento e fiscalização de trânsito; realizar a operação de tráfego nos limites de sua competência de forma a garantir a segurança e fluidez no trânsito; executar, acompanhar e defender o cumprimento dos atos do poder de polícia de trânsito; orientar a comunidade na interpretação da legislação de trânsito; participar de programas de treinamento; assessorar atividades específicas de sua área de atuação; lavrar auto por infração de trânsito e demais atos correlatos, no pleno exercício do poder de polícia administrativa de trânsito, nas áreas sob jurisdição do órgão executivo de trânsito do Distrito Federal e naquelas em que haja convênio com a autoridade competente; utilizar-se de todos os meios legais, inclusive veículos especiais e vigilância velada, para coibir infrações previstas na legislação de trânsito; exercer as atividades de fiscalização, com livre acesso às dependências, documentação e/ou equipamentos operacionais de estabelecimentos ou veículos automotores sujeitos à fiscalização de trânsito, nos limites das competências do órgão executivo de trânsito; exercer suas atividades com independência e autonomia; proceder escolta de autoridades, quando solicitado; executar outras atividades de mesma natureza e mesmo nível de complexidade e responsabilidade. executar outras atividades de interesse da área; exercer plenamente o poder de polícia administrativa de trânsito em toda a circunscrição, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 [...]”
A Lei 13.675/2018 que “disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do § 7º do art. 144 da Constituição Federal”, instituiu, no seu art. 9º, o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), dispondo no seu § 2º, inciso XV, que os agentes de trânsito são integrantes operacional do aludido Sistema Único de Segurança Pública, uma vez que eles desempenham atividades vinculadas direta ou indiretamente a atividade policial ao exercerem funções que condicionam o uso, o gozo e a disposição da propriedade e restringem o exercício da liberdade dos administrados no interesse público.
Nisso, dispõe o art. 78 do CTN, que: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.” (grifamos).
Além disso, compete aos Agentes de Trânsito preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas, na fiscalização do trânsito, integrando os órgãos responsáveis pela segurança pública, previstos no art. 144 da CF/88 (art. 144, § 10, da CF/88 e art. 9º, § 2º, XV, da Lei 13.675/2018).
A Emenda Constitucional n° 82/2014 ao incluir a segurança viária no rol taxativo do Sistema de Segurança Pública outorgou aos Agentes de Trânsito de carreira, e somente a estes, a competência para exercê-la no âmbito de suas respectivas circunscrições, de modo que cabe aos órgãos e entidades executivos de trânsito executar as ações de policiamento, fiscalização, educação e operações de trânsito por meio de seus Agentes de Trânsito, disciplinados em carreira, imprescindível para assegurar a implementação de ações voltadas à defesa da vida, nela incluída a preservação da saúde, do meio-ambiente e do patrimônio atuando de forma preventiva, corretiva e repressiva quando se fizer necessário.
Por isso o papel do Agente de Trânsito é fundamental para a promoção de um trânsito seguro, pois além das atribuições referentes à sua operação e fiscalização, desempenha, ainda, a missão de educar a todos aqueles que se utilizam do espaço público, a ele cabendo informar, orientar e sensibilizar os cidadãos a assumirem uma postura responsável e segura no cenário do trânsito.
De modo geral o Agente de Trânsito é o profissional que fiscaliza o tráfego de veículos, a fim de evitar acidentes e engarrafamentos nas vias das cidades, garantindo a fluidez e mobilidade por meio de intervenções estratégicas e coordenadas de modo a possibilitar um trânsito mais fluído e seguro, impactando diretamente na qualidade de vida das pessoas. Além disso, são responsáveis por orientar os pedestres, garantido sua segurança ao transitar pelas vias urbanas, fazer levantamento de áreas críticas de sinalização e pavimentação asfáltica, auxiliando na elaboração de projetos e estratégias de engenharia de tráfego e segurança viária cabendo-lhe, também, informar, orientar e sensibilizar as pessoas acerca dos procedimentos preventivos e seguros, dentre outras atividades.
Conforme a Classificação Brasileira de Ocupações – CBO ao Agente de Trânsito são atribuídas as seguintes atividades: “[...] patrulham ostensivamente rodovias federais; mantêm a fluidez e a segurança do trânsito urbano e rodoviário; fiscalizam o cumprimento das leis de trânsito; colaboram com a segurança pública; protegem bens públicos, serviços e instalações.” (http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/ResultadoOcupacaoMovimentacao.jsf - Cód: 5172-20).
Os Agentes de Trânsito são responsáveis por manterem a ordem do tráfego e a incolumidade física dos usuários das vias urbanas. Participam de ações educativas conscientizando os motoristas e pedestres, assim como prestam auxílio operacional diversas instituições policiais (PRF, PM, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros), Agências, Sanitárias, de Controle e Ambientais, além de órgãos de saúde, em especial nas ações de enfrentamento contra a pandemia do Covid-19 desde o início das testagens e durante todo o período de vacinação, de modo a garantir a ordem e a segurança nos locais de testagem e vacinação, garantindo fluidez e mobilidade nos postos de drive-in assegurando as melhores estratégias de vacinação.
Eles são o elo entre o poder público e a sociedade nas mudanças efetivas do trânsito no país atuando para garantir que as pessoas respeitem as regras e regulamentos presentes no Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Assim, diante do sistema de normas que regulam o trânsito e a segurança pública em geral, com ênfase na segurança viária e mobilidade urbana acima descritas resta inquestionável que compete aos Agentes de Trânsito, servidores de carreira permanente e de Estado, o exercício das atividades de fiscalização de trânsito, policiamento de trânsito, monitoramento viário e operações de tráfego no âmbito das atribuições previstas na Lei n° 9.503/1997 – CTB, uma vez que lhes competem exclusivamente, ou, mediante convênio nos termos do art. 23, III, lavrar auto de infração de trânsito que consiste em documento que permite à autoridade de trânsito dar início ao procedimento de aplicação de medidas administrativas e penalidades por infração de trânsito cometida, decorrente do exercício das atividades de policiamento, fiscalização e patrulhamento viário pela “utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga” em decorrência da inobservância de qualquer preceito da legislação de trânsito e normas complementares.
Oportuno destacar que o DENATRAN, por meio da Nota Informativa nº 219/2020/CGNF-DENATRAN/DENATRAN/SNTT, constante do Processo SEi n° 50001.038074/2020-39, destacou que “Em relação ao questionamento acerca da possibilidade do agente de trânsito que detém o poder de polícia, realizar o policiamento de trânsito preventivo e repressivo, para garantir o cumprimento das normas, cumpre informar que é dever do agente adotar ações para garantir a segurança no trânsito controlando o cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa de trânsito, no âmbito de circunscrição dos órgãos e entidades executivos de trânsito e de acordo com as competências estabelecidas no CTB.”
Os Agentes de Trânsito exercem atividade policial, uma vez que a própria Constituição Federal prevê que a segurança viária compreende a fiscalização e operação de trânsito, como sendo integrantes da segurança pública, que, por sua vez, encampa o conceito de atividade policial.
Assim, a partir da promulgação da EC n . 82/2014, o cargo de agente de trânsito, ainda que não conste expressamente dentre as atividades arroladas no caput do art. 144 da Constituição Federal, passou a ser constitucionalmente considerado atividade policial, eis que disciplinado no dispositivo destinado a segurança pública.
A par disso, o TJDFT possui entendimento pacífico acerca da atividade policial exercida pelo Agente de Trânsito de carreira ao dispor que “[...] se a própria Constituição Federal passou por modificação para fazer incluir, no sistema de segurança pública a atividade de segurança viária, exercida por agentes de trânsito, inclusive municipais, razão pela qual entendo que não deve prevalecer interpretação restritiva para incluir no conceito de ‘atividade policial’, requisito previsto no edital do referido concurso público, apenas aquelas atividades descritas nos incisos do art. 144 da CF/88 e que envolvem as carreiras típicas dos órgãos de segurança pública:” (Acórdão n. 1078758, 07056567520178070018, Relator Des. JOSÉ DIVINO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 1º/3/2018, publicado no DJe: 9/3/2018).
Segundo o STJ, ao julgar o REsp. n° 1.818.872/PE afirmou que “[...] o agente de trânsito tem poderes para, no regular exercício do poder de polícia, aplicar penalidades, autuar, notificar e arrecadar multas, registrar e licenciar veículos, fiscalizar vários aspectos do trânsito e, inclusive, interditar vias, reter ou impedir a circulação de veículos. [...] É interessante observar que a própria Constituição Federal, a partir da promulgação da Emenda Constitucional n. 82/2014, incluiu a segurança viária como atividade típica de segurança pública. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/1997), por sua vez, conferiu expressamente aos agentes de trânsito o exercício de funções próprias da atividade policial, inclusive por equiparar o agente civil ao policial militar no exercício do policiamento ostensivo de trânsito. Dessa forma, não há margem para dúvida de que o agente de trânsito exerce atividades típicas de policiamento ostensivo, e, especialmente, detém poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro.”
A par da jurisprudência e da legislação em vigor acerca das competências e atribuições do AGENTE DE TRÂNSITO, importante destacar o PARECER Nº 274/2015/CETRAN/SC segundo o qual o servidor, para atuar como agente da autoridade de trânsito está condicionado a existência de previsão legal situando essa atividade no rol de atribuições do cargo por ele ocupado. Vejamos trecho de sua fundamentação:
“[...] 2. De acordo com o Anexo I da Lei nº 9.503/97, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, agente da autoridade de trânsito é a pessoa, civil ou policial militar, credenciada pela autoridade de trânsito para o exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento. Seguindo por esta senda, o §4º do art. 280 do mesmo diploma legal assevera que o agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.
3. Uma leitura superficial dos textos acima reproduzidos poderia ensejar o entendimento de que qualquer servidor, civil ou militar, estaria apto para exercer atividades inerentes à fiscalização do trânsito, desde que a autoridade competente previamente o credencie ou designe para tanto. Todavia esse pensamento não é correto. A autoridade de trânsito somente pode designar para atuar em seu nome, e nesta condição executar a fiscalização do trânsito e lavrar autuações, servidores titulares de cargos ou funções para os quais a respectiva lei de criação outorgue tais competências. Com efeito, como bem destaca MEIRELLES (1), “não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de Direito” pois “a competência resulta da lei e por ela é delimitada”, lembrando que “todo ato emanado de agente incompetente, ou realizado além do limite de que dispõe a autoridade incumbida de sua prática, é inválido, por lhe faltar um elemento básico de sua perfeição, qual seja, o poder jurídico para manifestar a vontade da Administração”.
4. O Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, aprovado pela Resolução nº 371/10 do Contran e modificado pela similar de número 497/14, preconiza: “para que possa exercer suas atribuições como agente da autoridade de trânsito, o servidor ou policial militar deverá ser credenciado, estar devidamente uniformizado, conforme padrão da instituição, e no regular exercício de suas funções”. Ao determinar que o servidor se encontre no “regular exercício de suas funções” fica claro que uma das condições de validade da sua atuação como agente da autoridade de trânsito é justamente que essa atividade faça parte do rol de atribuições do seu ofício. Caso contrário, não exercerá regularmente seu serviço, pois estará desviado da função para a qual foi legalmente contratado.
5. Segundo Plácido e Silva, função é o “direito ou dever de agir, atribuído ou conferido por lei a uma pessoa, ou a várias, a fim de assegurar a vida da administração pública ou o preenchimento de sua missão” (2). Meirelles, por sua vez, acentua que função é “a atribuição ou o conjunto de atribuições que a administração confere a cada categoria funcional” (3). Partindo desses conceitos pode-se sustentar que o desvio de função ocorre quando o servidor passa a exercer atribuições diferentes do nome e do perfil profissional ao qual pertence. Dito de outro modo: ocorre desvio de função quando um servidor público desempenha funções que são atribuídas a cargo diverso daquele no qual se encontra investido.
6. De acordo com o § 4º do art. 144 da Constituição Federal, às polícias civis incumbem as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais.
7. A Constituição do Estado de Santa Catarina também estabeleceu em seus artigos 105 e 106 quais as competências da Polícia Civil, consignando entre elas a execução de serviços administrativos de trânsito.
8. Sem entrar no mérito da constitucionalidade da norma mencionado da Constituição Estadual Catarinense referente à Polícia Civil, atendo-nos apenas à dicção do dispositivo, mesmo assim, a única conclusão a se extrair é que o legislador constituinte local apenas vinculou a Administração do Órgão Executivo de Trânsito à valorosa corporação, não incluindo, por óbvio a atividade fim, referente ao trabalho de campo da fiscalização de trânsito.
9. Desbordar deste eixo para conferir aos agentes da polícia civil poderes para fiscalizarem o trânsito, indubitavelmente afrontaria a Lei Maior, sendo digno de nota que “a Constituição, além de imperativa como toda norma jurídica, é particularmente suprema, ostentando posição de proeminência em relação às demais normas, que a ela deverão se conformar, seja quanto ao modo de sua elaboração (conformação formal), seja quanto a matéria de que tratam (conformação material)” (4).”
Na questão analisada discutia-se a possibilidade de policiais civis daquele estado realizar a fiscalização e policiamento de trânsito, o que foi considerado ilegal caracterizando desvio de função o exercício de tais atividades por servidores não constante da carreira de Agente de Trânsito, cuja competência estava legalmente estabelecida.
Consolidando todo o arcabouço normativo e jurisprudencial acima mencionado, foi publicada recentemente a Lei n° 14.229/2021 que, dentre outras alterações, redefiniu o conceito de Agente da Autoridade de Trânsito e promoveu a conceituação da figura do AGENTE DE TRÂNSITO, ao dispor que:
Ao criar tais disposições a Lei n° 14.229/2021 além de reparar uma injustiça histórica pela ausência de definição/conceituação do “Agente de Trânsito”, facilitando a padronização da nomenclatura a nível nacional, a teor de outras carreiras como: policial civil, policial militar e policial penal, acabou com inúmeras falácias defendidas por usurpadores de função de que todo servidor de órgão de trânsito (seja ele municipal ou estadual) seria Agente de Trânsito, ou mesmo, que todos seriam Agentes da Autoridade de Trânsito e que, portanto, possuem as mesmas atribuições.
É preciso ainda destacar, que diferentemente do pensamento defendido por alguns a Lei n° 14.229/2021 não transformou os educadores de trânsito em Agentes de Trânsito. Pelo contrário, esclareceu que o exercício das atribuições de educação, operação e fiscalização de trânsito e de transporte no exercício regular do poder de polícia de trânsito para promover a segurança viária nos termos da Constituição Federal são atribuições exercidas por Agentes de Trânsito disciplinados em carreira. Ou seja, que o cargo de Agente de Trânsito disciplinado em carreira própria em todo o país tem que possuir essas atribuições.
Defender esse argumento é o mesmo que dizer que todos os servidores da Polícia Rodoviária Federal são PRF’s. Ou que todos os servidores da Polícia Federal são Policiais Federais, o que é um absurdo e inegavelmente infundado, não passando de uma interpretação forçada e teratológica. É que assim como nessas instituições existem servidores meramente administrativos, sem competência de atividades de policiamento ostensivo, patrulhamento, investigação e lavratura de termos, os órgãos de trânsito municipais e estaduais também possuem servidores administrativos no exercício de atividades burocráticas, sem nenhum viés operacional, não estando incumbidos das atividades afins do Agente de Trânsito.
O que NÃO significa que eventuais servidores de outras carreiras que exerçam atribuições de educação de trânsito são Agentes de Trânsito. A título de exemplo, no Distrito Federal assim como em outros estados, servidores de outras carreiras como os bombeiros, policiais civis e militares e professores da rede pública de ensino ministram aulas na Escola Pública de Trânsito e participam de campanhas educativas. Todavia, a Lei não transformou esses servidores em Agente de Trânsito. Até porque para ser Agente de Trânsito deverá prestar concurso específico para o cargo com atribuições, deveres, direitos e vencimentos previamente disciplinados em lei específica, sob pena de se configurar desvio de função e usurpação de função pública.
Portanto, com a nova Lei n° 14.229/2021 somente é Agente da Autoridade de Trânsito os seguintes servidores de carreira: o Agente de Trânsito, o Policial Rodoviário Federal, o Policial Militar e o Policial Legislativo, estes, mediante convênio com a autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via.
Logo, qualquer tentativa de outras carreiras em agir como Agente da Autoridade de trânsito, usurpando as funções do Agente de Trânsito acarretará além de desvio de função, o crime de usurpação de função pública prevista no artigo 328, do CPB.
Conclui-se, por fim, que Agente da Autoridade de Trânsito é gênero, do qual Agente de Trânsito é espécie, sendo este o servidor oriundo de carreira específica, com atribuições próprias de policiamento, fiscalização, educação, patrulhamento e operação de trânsito no regular exercício do poder de polícia de trânsito para promover a segurança viária nos termos § 10 do art. 144 da Constituição Federal.
Brasília – DF. 03 de janeiro de 2022.
*DIOGO RODRIGUES RIBEIRO é Agente de Trânsito do DETRAN/DF, Advogado especialista em Direto Digital e Consultor em Privacidade e Proteção de Dados.
Feliz Dia do Servidor Público!
28/10/2021